sábado, 17 de maio de 2008

COLUNA DO JULINHO




Amizade sem trato


Dei pra me emocionar cada vez que falo dos amigos. Deve ser a idade, dizem que a gente fica mais sentimental. Mas é fato: quando penso no que tenho demais valioso, os amigos aparecem em pé de igualdade com o resto da família. E quando ouço pessoas dizendo que amigo, mas amigo meeeesmo, a gente só temdois ou três, empino o peito e fico até meio besta de tanto orgulho: eutenho muito mais do que dois ou três. São uma cambada. Não é privilégio meu,qualquer pessoa poderia ter tantos assim, mas quem se dedica?


Fulano é meu amigo, Sicrana é minha amiga. É nada. São conhecidos. Gente que cumprimentamos na rua, falamos rapidamente numa festa, de repente sabemosaté de uma fofoca pesada sobre eles, mas amigos? Nem perto. Alguns até chegaram a ser, mas não são mais por absoluta falta de cuidado de ambas aspartes.Amizade não é só empatia, é cultivo. Exige tempo, disposição. E o maisimportante: o carinho não precisa – nem deve – vir acompanhado de um motivo. As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal ou para pedir umfavor – tem que haver alguma razão prática ou festiva para fazer contato.Pois para saber a diferença entre um amigo ocasional e um amigo de verdade,basta tirar a razão de cena. Você não precisa de uma razão, basta sentir afalta da pessoa. E, estando juntos, trataremos-se bem.


Difícil exemplificar o que é tratar bem. Se são amigos mesmo, não precisam nem falar, podem caminhar lado a lado em silêncio. Não é preciso troca deelogios constantes, podem até pegar no pé um do outro, delicadamente. Não épreciso manifestações constantes de carinho, podem dizer verdades duras, às vezes elas são necessárias. Mas há sempre algo sublime no ar entre doisamigos de verdade. Talvez respeito seja a palavra. Afeto, certamente.Cumplicidade? Mais do que cumplicidade. Sintonia?


Acho que é amor. Oh, céus! Santa pieguice, Batman! Amor? Esta lengalenga de novo? Sério, só mesmo amando um amigo para permitir que ele se atire no seusofá e chore as dores dele sem que você se incomode nem um pingo com isso.Só mesmo amando para você confiar a ele seu próprio inferno. E para não invejarem as vitórias um do outro. Por amor, você empresta as suas coisas,dá o seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender, abraça causas que não são suas, entra numas roubadas, compreende alguns sumiços –mas liga quando o sumiço é exagerado. Tudo isso é amizade com trato. Se amigos assim entraram na sua vida, não deixe que sumam. Porém, a maioria das pessoas não só deixa como contribui para que os amigos evaporem. Ignora os mecanismos de manutenção. Acha que amizade é algo que vem pronto e que é da sua natureza ser constante, sem precisar que a gente dê uma mãozinha. E aí um dia abrimos a mãozinha e não conseguimos contar nos dedos nem dois amigos pra valer. E ainda argumentamos que a solidão é um sintoma destes dias de hoje, tão emergenciais, tão individualistas. Nada disso. A solidão é apenas um sintoma do nosso descaso.

Nenhum comentário: